Mercado de colostro: existe potencial no Brasil?

compartilhe

compartilhe

O colostro, aquele “primeiro leite” rico em imunoglobulinas e nutrientes essenciais, deixou de ser exclusivo dos bezerros há algum tempo. Nos EUA e na Índia, ele já é tratado como ingrediente funcional de alto valor agregado, com aplicações em suplementos, nutrição esportiva e fórmulas infantis. O mercado está projetado para crescer de forma constante até 2040 — mas será que o Brasil está acompanhando esse movimento?

Na Índia, a valorização do colostro tem raízes tanto na medicina tradicional quanto na evolução da indústria de alimentos e suplementos. Por lá, a urbanização crescente e a melhora no poder aquisitivo ampliaram o acesso a produtos naturais e funcionais. O uso do colostro em produtos voltados ao bem-estar e à saúde imunológica faz sentido em um país que valoriza, culturalmente, alternativas com apelo “ancestral” e fitoterápico. E mais: o colostro bovino está amplamente disponível graças à robusta cadeia leiteira.

🔒 Este conteúdo continua abaixo.

Nos EUA, o contexto é diferente, mas igualmente potente. Trata-se de um mercado mais maduro, onde a demanda parte principalmente de atletas e consumidores em busca de funcionalidade. A suplementação com colostro é recomendada por influenciadores da área fitness, marcas nutracêuticas investem pesado em P&D e há rigor regulatório para garantir segurança e eficácia. As vendas online fazem o restante: facilitam o acesso, promovem marcas internacionais e disseminam avaliações positivas que influenciam o comportamento do consumidor.

Ambos os países se beneficiam de tecnologias de processamento que preservam a bioatividade das proteínas do colostro — como a secagem em baixa temperatura e a microfiltração — e contam com agências reguladoras (FSSAI na Índia e FDA nos EUA) que, apesar das exigências, têm se mostrado favoráveis à comercialização de produtos baseados nesse ingrediente.

E no Brasil?

Apesar de termos um dos maiores rebanhos leiteiros do mundo, a utilização do colostro na indústria é mínima. A maior parte é descartada, utilizada para alimentação de bezerros ou para produção artesanal de iguarias locais como a “coalhada de colostro” (ou “tigelada”, em algumas regiões). Há raríssimas iniciativas comerciais sérias voltadas à extração, conservação e transformação do colostro bovino em ingrediente de alto valor agregado. E as razões são múltiplas.

O primeiro ponto é a regulamentação. A Instrução Normativa nº 76/2018 do MAPA determina que o leite das primeiras ordenhas pós-parto (colostro) deve ser descartado por não atender aos padrões de composição típicos do leite de consumo. Ou seja, a base legal atual ainda enxerga o colostro como impureza — e não como insumo.

Outro entrave é o desafio logístico. O colostro só é produzido nas primeiras 48 a 72 horas após o parto, e sua coleta exige planejamento e rastreabilidade. A variabilidade de composição entre vacas também requer padronização tecnológica avançada para garantir consistência em produtos industrializados. Isso implica investimento em controle de qualidade, tecnologia e capacitação — áreas que ainda carecem de incentivos no setor lácteo nacional, sobretudo nas pequenas e médias propriedades.

Porém, é impossível ignorar o potencial. O colostro bovino brasileiro possui características comparáveis aos dos mercados internacionais, e nosso país já é fornecedor global de ingredientes lácteos. Com a crescente demanda por produtos imunomoduladores, antienvelhecimento e naturais, há uma oportunidade clara de diversificação de portfólio para laticínios, startups de biotecnologia e empresas nutracêuticas.

Além disso, a regulamentação pode mudar. Já existem conversas técnicas em torno da reclassificação do colostro para usos alternativos, incluindo sua aplicação em nutrição animal, produtos de beleza e suplementos humanos. Assim como o soro de leite, que no passado era considerado resíduo, o colostro pode encontrar um caminho rumo à valorização.

O primeiro passo é reconhecer que não se trata apenas de leite “diferente”, mas de um ingrediente biológico sofisticado. A indústria brasileira tem capacidade para assumir esse protagonismo, com investimento em tecnologia, parcerias com universidades e aproximação com os órgãos reguladores. O Brasil pode até estar atrasado na corrida, mas ainda há tempo para acelerar.

Os dados e previsões de crescimento do mercado de colostro na Índia e nos EUA entre 2020 e 2040 foram baseados no comunicado de imprensa publicado pela Global Data Route Analytics, disponível em: openPR.

Foto de mariana.massari

mariana.massari

Comente abaixo!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.

Rolar para o topo