O estresse térmico em vacas leiteiras deixou de ser um problema localizado para se tornar um desafio global. Uma pesquisa publicada na Science Advances revelou que um único dia de calor intenso pode reduzir a produção diária de leite em até 10%, com efeitos que persistem por mais de uma semana. O estudo, conduzido em Israel — país conhecido pela alta produtividade por vaca e pelo uso de tecnologias avançadas de resfriamento — mostrou que nem mesmo sistemas modernos de ventilação e aspersão conseguem evitar totalmente as perdas. Os autores alertam que, com o avanço das mudanças climáticas, países tropicais como o Brasil podem enfrentar impactos ainda mais severos.
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O que acontece com as vacas sob calor extremo
O levantamento acompanhou mais de 130 mil vacas ao longo de 12 anos, combinando dados meteorológicos detalhados com registros de produção e infraestrutura das fazendas. O ponto crítico foi identificado pelo índice de wet-bulb (temperatura de bulbo úmido), que considera calor e umidade. Quando esse valor ultrapassa 26°C, a queda de produção se acentua, pois as vacas têm dificuldade em dissipar calor corporal. Os pesquisadores compararam a sensação desses dias a um “banho de vapor”, cenário que compromete o bem-estar, afeta a fertilidade e pode colocar em risco a sobrevivência dos animais. A recuperação completa da produção pode levar mais de 10 dias, mesmo após o fim da onda de calor.
Limites da tecnologia de resfriamento
Embora quase todas as propriedades do estudo utilizassem algum tipo de refrigeração, a eficácia variou conforme a intensidade do calor. Com wet-bulb de 20°C, as perdas foram reduzidas em 50%. Já a 24°C, essa redução caiu para 40%. Apesar dessa limitação, o investimento se pagou rapidamente — em média, 18 meses. No entanto, especialistas destacam que apenas equipamentos não resolvem o problema: é preciso repensar práticas de manejo que aumentam a vulnerabilidade térmica, como confinamento excessivo e separação precoce de bezerros.
Impactos globais previstos
Com base nos dados israelenses, os pesquisadores projetaram cenários para os 10 maiores produtores mundiais de leite. Sem resfriamento, a queda média prevista é de 4% na produção diária por vaca até meados do século, com Índia, Paquistão e Brasil apresentando os piores resultados. Mesmo com resfriamento, as perdas podem chegar a 1,5% a 2,7%. Para produtores de baixa renda, os custos de adaptação podem ser proibitivos, ampliando a desigualdade competitiva.
O papel das políticas públicas
O estudo reforça que a adaptação da pecuária leiteira ao clima não depende apenas de tecnologias. São necessárias políticas de incentivo, programas de bem-estar animal e estratégias regionais para mitigar o calor. No Brasil, práticas como sombreamento natural, melhoria da ventilação em galpões e acesso constante a água de qualidade podem ser combinadas com sistemas mecânicos de resfriamento para reduzir impactos.
Conclusão
O estresse térmico é uma ameaça concreta à produtividade e ao bem-estar das vacas leiteiras. A experiência de Israel mostra que, mesmo em sistemas avançados, as perdas não são eliminadas. Com ondas de calor mais frequentes e intensas, a produção de leite pode entrar em um cenário de instabilidade que afetará produtores, indústria e consumidores. Como alertam os pesquisadores, sem ações rápidas e abrangentes, aquele simples copo de leite pode se tornar mais caro — e menos presente — no dia a dia.
E se engana quem pensa que esse é um assunto distante das rotinas de gestão. Mudanças climáticas precisam estar no planejamento estratégico e até mesmo nas certificações de segurança dos alimentos, como a FSSC 22000, que incluem análise de riscos ambientais. Em um laticínio, ignorar essa relação é subestimar um fator crítico que impacta não só a produção, mas também a conformidade e a imagem da empresa no mercado.