O soro de leite, muitas vezes tratado como subproduto de difícil aproveitamento, começa a ganhar um papel de destaque no cenário da bioeconomia láctea.
Na Índia, a gigante Amul, maior cooperativa de laticínios do país, acaba de alcançar resultados expressivos em um projeto pioneiro: converter o soro de queijo em bioetanol — um combustível renovável capaz de reduzir emissões e gerar renda adicional aos produtores.
A notícia, divulgada pelo Times of India (2025), marca um ponto de virada no aproveitamento do soro, que passa de coproduto subvalorizado a insumo energético. A iniciativa não apenas reduz o impacto ambiental do descarte, mas também integra o setor lácteo ao movimento global de valorização circular dos resíduos agroindustriais.
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O soro como matéria-prima bioenergética
Durante a fabricação de queijos e paneer, grandes volumes de soro são gerados — ricos em lactose, proteínas solúveis e minerais.
Tradicionalmente, esse material tem sido usado como ingrediente alimentar, base para bebidas lácteas, ração animal ou adubo orgânico. No entanto, seu alto teor de açúcares fermentáveis também o torna um substrato ideal para a produção de bioetanol.
O processo consiste na fermentação da lactose (C₁₂H₂₂O₁₁) em etanol e dióxido de carbono, mediada por leveduras como Kluyveromyces marxianus ou Saccharomyces cerevisiae, após hidrólise enzimática.
A reação simplificada é:
C12H22O11+H2O→4C2H5OH+4CO2
Essa bioconversão aproveita açúcares que, de outra forma, seriam perdidos — transformando passivos ambientais em energia limpa.
O caso Amul: inovação em escala cooperativa
A Amul iniciou seus testes de fermentação com soro de queijo no distrito de Anand, no estado de Gujarat, onde processa milhares de litros de leite diariamente.
Após um piloto bem-sucedido, a cooperativa anunciou planos para instalar uma planta dedicada de bioetanol com capacidade estimada em 50.000 litros por dia e investimento de cerca de ₹ 70 crores (US$ 8,5 milhões).
De acordo com a reportagem do Times of India, os primeiros lotes de bioetanol obtidos a partir do soro apresentaram alta pureza e rendimento energético competitivo. A empresa já estuda integrar a produção à cadeia de combustíveis renováveis da Índia, que prevê mistura obrigatória de 20% de etanol na gasolina até 2026.
Além disso, a Amul avalia destinar parte do bioetanol para uso interno em caldeiras e geradores, reduzindo dependência de diesel e gás natural.
Biotecnologia aplicada: o papel das leveduras e da fermentação
Pesquisas recentes reforçam a viabilidade da rota biotecnológica usada pela Amul.
Estudos como o de Frontiers in Energy Research (2023) e MDPI Fermentation (2024) mostram que a levedura K. marxianus é capaz de converter o soro doce e ácido em etanol com rendimento entre 0,45 e 0,50 g/g de lactose, além de reduzir em até 75% a demanda química de oxigênio (DQO) do efluente.
Essa abordagem combina bioremediação e geração de energia, tornando-se uma alternativa prática às estações de tratamento convencionais — com a vantagem de gerar valor econômico.
Circularidade e impacto ambiental
A transformação do soro em bioetanol gera benefícios ambientais diretos:
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♻️ Menor carga orgânica lançada em efluentes;
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💨 Redução de emissões ao substituir combustíveis fósseis;
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💧 Economia de água ao evitar diluição para descarte;
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💰 Nova fonte de receita para cooperativas e produtores.
No caso da Amul, estima-se que a planta possa converter cerca de 200 toneladas de soro por dia em energia, fortalecendo o papel da Índia como referência em bioetanol de segunda geração.
E o potencial para o Brasil?
O Brasil, segundo maior produtor de lácteos do hemisfério sul, também enfrenta o desafio do manejo de soro — especialmente em queijarias e indústrias de iogurte.
A tecnologia adotada pela Amul é plenamente replicável aqui: o país já domina fermentações industriais, possui matriz energética híbrida e políticas de incentivo à produção descentralizada de biocombustíveis.
Integrar o reaproveitamento de soro às unidades de beneficiamento pode significar:
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redução do custo de tratamento de efluentes,
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geração de energia térmica e elétrica local, e
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credenciais ESG mais robustas para o setor lácteo.
Conclusão
O sucesso da Amul com o bioetanol de soro mostra que a sustentabilidade pode ser um bom negócio.
A transição para um modelo circular — onde cada litro de leite gera alimento, energia e valor — já não é apenas conceito, mas realidade.
Ao transformar um coproduto em combustível, a cooperativa indiana prova que o futuro da indústria láctea não está apenas em produzir mais leite, e sim em produzir melhor, com menos impacto e mais inteligência.
O soro de leite vai muito além do whey protein.
Veja como esse coproduto vem ganhando novas funções — do laboratório ao combustível.
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