Confinamentos no Brasil: como a nutrição está mudando o jogo?

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A pecuária brasileira vive uma fase de adaptação acelerada. Se antes o confinamento era visto como um recurso complementar, hoje ele se consolida como peça-chave para atender à demanda crescente por carne bovina de qualidade e, ao mesmo tempo, garantir eficiência produtiva em um cenário de custos elevados. O mais recente levantamento com nutricionistas de confinamentos do Brasil, publicado em junho de 2025 na Frontiers in Veterinary Science por Monsalve & Millen (2025), revelou um panorama inédito das recomendações nutricionais e práticas de manejo em uso no país. A pesquisa, que envolveu 36 profissionais responsáveis por quase 80% dos animais terminados em 2023, mostra que as dietas, os métodos de adaptação e até as estratégias de bem-estar animal vêm passando por mudanças significativas.

Confinamentos em transformação

A pecuária brasileira vive uma fase de adaptação acelerada. Se antes o confinamento era visto como um recurso complementar, hoje ele se consolida como peça-chave para atender à demanda crescente por carne bovina de qualidade e, ao mesmo tempo, garantir eficiência produtiva em um cenário de custos elevados. O artigo de Monsalve & Millen, revelou um panorama inédito das recomendações nutricionais e práticas de manejo em uso no país. A pesquisa, que envolveu 36 profissionais responsáveis por quase 80% dos animais terminados em 2023, mostra que as dietas, os métodos de adaptação e até as estratégias de bem-estar animal vêm passando por mudanças significativas.

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Ao mesmo tempo, é impossível ignorar a conexão entre confinamentos de corte e a cadeia leiteira. Afinal, tanto vacas em alta produção quanto bois em engorda dependem de dietas ricas em concentrados, bem formuladas e balanceadas em fibra fisicamente efetiva, proteína e minerais. Os dados trazem aprendizados que extrapolam os limites do confinamento de carne e podem inspirar avanços também em sistemas de alimentação para bovinos leiteiros.

Do milho ao DDG: a base das dietas

O milho continua sendo o grão preferido dos nutricionistas brasileiros, citado por mais de 90% dos entrevistados, com predomínio do tipo duro (flint). No entanto, há espaço crescente para o sorgo, principalmente como opção secundária. O dado mais interessante, porém, está no processamento: pela primeira vez, o reidratamento e estocagem de milho de alta umidade despontou como método de destaque, empatando em popularidade com moagem fina e moagem grossa. Isso mostra que o setor busca otimizar o aproveitamento do amido, reconhecendo que a digestibilidade do milho flint é menor que a do dentado.

Outro ponto marcante é a incorporação de coprodutos. Quase 93% dos confinamentos atendidos utilizam ao menos um ingrediente alternativo na dieta. Entre eles, a polpa cítrica peletizada, o caroço de algodão e, sobretudo, os grãos secos de destilaria (DDG) ganharam protagonismo. Pela primeira vez na história dos confinamentos brasileiros, o DDG aparece como principal fonte de proteína recomendada, ultrapassando o farelo de soja. Essa virada é significativa: além de reduzir custos, valoriza resíduos industriais, reforçando o elo entre nutrição animal e sustentabilidade.

No caso do leite, a lógica não é muito diferente. A discussão sobre o uso de volumosos ou concentrados já apareceu aqui no Derivando Leite, mostrando como a formulação da dieta impacta diretamente a qualidade do leite. A entrada de coprodutos também pode ser estratégica em fazendas leiteiras, desde que respeitados os limites de segurança e qualidade.

Fibra, aditivos e energia: ajustes finos na dieta

As dietas de terminação analisadas apresentaram, em média, 15,7% de volumosos na matéria seca, com predominância da silagem de milho, seguida por silagem de capim e bagaço de cana. A fibra fisicamente efetiva  consolidou-se como método de referência para avaliação, empregada por mais de 85% dos nutricionistas, confirmando a busca por precisão no monitoramento da dieta.

O teor de proteína bruta recomendado manteve-se estável, em torno de 14% da MS, com 10% de proteína verdadeira e 1,1% de ureia. Já os minerais seguiram as recomendações clássicas, com 0,60% de cálcio e 0,30% de fósforo. Entre os aditivos, a monensina continua soberana, citada por 70% dos entrevistados, mas cresce a associação com a virginiamicina, considerada estratégica para aumento de peso de carcaça.

Esse refinamento da formulação mostra como o confinamento brasileiro amadureceu. Em comparação com 2009, há menos volumosos, mais precisão nos concentrados e maior uso de coprodutos, sem perda de energia dietética.

Tabela 1 – Principais coprodutos utilizados em confinamentos brasileiros

Fonte: Monsalve & Millen, 2025

Manejo alimentar e bem-estar

Outro destaque do levantamento está no manejo. Mais de 80% dos confinamentos utilizam vagões misturadores acoplados a caminhões, garantindo homogeneidade e precisão na entrega. A prática de leitura diária de cocho é unânime e, em 55% dos casos, adota-se o modelo de “cocho limpo” (slick bunk), reduzindo desperdícios.

A frequência de arraçoamento também impressiona: três em cada quatro confinamentos alimentam os animais quatro vezes ao dia, com intervalos médios de 2,9 horas. Essa disciplina alimentar reflete não apenas preocupação com desempenho, mas também com saúde ruminal.

Na esfera do bem-estar, surgem novidades. O uso de aspersores foi registrado em 53% das operações, contribuindo para reduzir poeira e, por consequência, a incidência de doenças respiratórias. Já a oferta de sombra, embora ainda tímida (18,8% dos confinamentos), começa a ser considerada, seja por estruturas artificiais, seja por árvores.

Na cadeia do leite, discussões semelhantes aparecem quando se fala em conforto térmico e estabilidade produtiva. Como já abordamos em Derivando Leite, a dieta da vaca leiteira está intimamente ligada ao manejo ambiental.

Desempenho e desafios

Em termos de desempenho, os dados confirmam que o boi Nelore continua sendo o carro-chefe dos confinamentos brasileiros, representando mais de 80% dos animais atendidos. Os números médios mostram entrada com 385 kg e saída com 558 kg, após 106 dias de confinamento. A mortalidade registrada foi baixa, em torno de 0,5%.

Os principais problemas de saúde relatados foram doenças respiratórias (59%), seguidas por casos de laminite e clostridioses. No campo dos desafios, dois pontos se destacam: a carência de mão de obra qualificada e falhas de gestão administrativa, ambos citados por quase metade dos nutricionistas. Esses gargalos mostram que, apesar do avanço tecnológico, ainda há fragilidades humanas e organizacionais a superar.

O que muda para o futuro?

O levantamento de Monsalve & Millen (2025) indica que o confinamento brasileiro entrou em uma nova era. A combinação entre grãos processados de forma mais eficiente, uso crescente de coprodutos, ajustes finos em minerais e vitaminas, além da adoção de tecnologias de mistura e arraçoamento, desenha um cenário de maior eficiência e sustentabilidade.

Do ponto de vista econômico, os confinamentos tendem a se tornar mais competitivos, valorizando insumos alternativos e reduzindo desperdícios. Do ponto de vista ambiental, a incorporação de práticas de bem-estar, como aspersores e sombreamento, aponta para uma pecuária mais alinhada às demandas de mercados exigentes.

Para a cadeia leiteira, fica a lição de que nutrição de precisão e manejo integrado são diferenciais cada vez mais inegociáveis. Seja no cocho do boi de corte ou da vaca de alta lactação, eficiência e sustentabilidade caminham juntas.

Conclusão

Os confinamentos no Brasil não são mais os mesmos. Em pouco mais de uma década, deixaram para trás práticas rudimentares e abraçaram a ciência e a inovação. Hoje, o milho ainda é rei, mas divide espaço com o DDG e outros coprodutos. A fibra continua essencial, mas medida com lupa de precisão. O bem-estar animal começa a sair do discurso para entrar nas baias.

Esse movimento não é isolado: ele reflete uma pecuária que busca competitividade global sem abrir mão de eficiência e sustentabilidade. Para quem acompanha de perto o setor lácteo, a mensagem é clara: as fronteiras entre corte e leite se estreitam quando falamos de nutrição. E os avanços em um lado inevitavelmente inspiram melhorias do outro.

Foto de Marieli Rosseto

Marieli Rosseto

Doutora e mestre em Ciência e Tecnologia de Alimentos, graduada em Tecnologia de Alimentos e Agronegócio. Especialista em Qualidade, Segurança de Alimentos e Educação Inclusiva, atua como especialista de processos na indústria de soro de leite e professora na área de qualidade no setor lácteo. Na pesquisa, dedica-se ao desenvolvimento de soluções sustentáveis para a indústria de alimentos, como filmes biodegradáveis a partir de resíduos. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/8172882358532158

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