Quando uma fermentação para sem explicação, o problema nem sempre está na temperatura, no leite ou no fermento.
O vilão pode ser microscópico: um bacteriófago — ou simplesmente fago.
Esses vírus infectam as bactérias usadas na produção de queijos e iogurtes, impedindo que elas façam seu trabalho. O resultado? Fermentações lentas, queda de rendimento e até a perda total do lote.
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Mesmo com limpeza e controle rigoroso, fagos podem sobreviver em válvulas, mangueiras e trocadores de calor, retornando a cada novo ciclo. Por isso, entender como surgem e como combatê-los é essencial para qualquer laticínio.
O que são fagos, afinal?
Fagos são vírus naturais que atacam bactérias específicas.
No caso das fermentações lácteas, eles infectam espécies como Lactococcus lactis, usadas na fabricação de queijos, manteigas e iogurtes.
Ao invadir a célula, o fago “sequestra” a bactéria, usa sua estrutura para se multiplicar e depois a destrói, liberando novas partículas virais.
Esse ciclo pode se espalhar rapidamente pelo tanque, interrompendo toda a fermentação.
Por que os fagos preocupam tanto a indústria?
Basta um único fago ativo para causar prejuízos:
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Fermentações incompletas;
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Variações de acidez e textura;
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Alterações no sabor;
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Risco de contaminação cruzada entre lotes.
Além disso, fagos são resistentes. Eles toleram calor moderado, podem se esconder em resíduos de leite e até resistir a alguns sanitizantes.
Por isso, a prevenção é muito mais eficiente que a correção.
A boa notícia: bactérias também sabem se defender
Pesquisas recentes da DSM-Firmenich, em parceria com a APC Microbiome Ireland e o INRAE (França), mostraram que Lactococcus lactis possui sistemas naturais de defesa contra fagos — uma espécie de “imunidade bacteriana”.
O estudo, publicado na revista PNAS (2025), identificou 13 sistemas diferentes de resistência, entre eles o Audmula, um mecanismo inédito que modifica a parede celular da bactéria para prender o fago dentro dela.
Em vez de morrer e liberar o vírus, a célula o “aprisiona”, impedindo a infecção de outras bactérias.
É a primeira vez que esse tipo de defesa é observado em culturas lácteas — e abre caminho para o desenvolvimento de culturas iniciadoras muito mais resistentes.
Como proteger suas culturas na prática
A pesquisa inspirou novas estratégias que já podem ser aplicadas no setor:
1️⃣ Usar culturas “fago-robustas” — culturas com múltiplos mecanismos de defesa integrados.
2️⃣ Planejar a rotação de culturas — alternar cepas diferentes reduz a chance de adaptação dos fagos.
3️⃣ Manter limpeza e drenagem rigorosas — especialmente em válvulas, dutos e pontos de difícil acesso.
4️⃣ Monitorar sinais precoces de infecção — fermentações lentas e pH irregular são alertas importantes.
5️⃣ Investir em diagnóstico genético — identificar fagos recorrentes ajuda a ajustar o plano de cultura.
Segundo o professor Douwe van Sinderen, da APC Microbiome,
“Entender como as bactérias se defendem é o primeiro passo para produzir de forma mais segura e previsível.”
O futuro: culturas inteligentes
Com o avanço da biotecnologia, já se fala em culturas “autoimunes”: microrganismos projetados para reconhecer fagos e reagir antes que o dano ocorra.
Essas culturas representam um “seguro anti-parada” para a indústria láctea, combinando ciência, genética e sustentabilidade.
Além de evitar perdas, também reduzem o uso de recursos, pois garantem fermentações mais consistentes e economizam energia e matéria-prima.
Conclusão: controlar os fagos é controlar o futuro
Durante décadas, os fagos foram vistos apenas como inimigos.
Hoje, sabemos que entender sua biologia é a chave para uma produção mais estável e eficiente.
Com a união entre pesquisa científica e aplicação prática, os laticínios podem finalmente transformar um problema recorrente em vantagem tecnológica.
A era das culturas inteligentes e resistentes a fagos já começou — e quem se preparar agora estará um passo à frente.
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