O que está por trás da polêmica do leite em pó importado?

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O que parecia um debate técnico sobre comércio exterior se transformou em uma verdadeira guerra política. De um lado, produtores rurais com margens espremidas e tanques vazios; do outro, indústrias tentando manter competitividade diante da enxurrada de leite em pó importado. No meio disso tudo, o consumidor, que muitas vezes nem imagina que o “leite” usado em queijos, iogurtes e bebidas lácteas pode ter atravessado fronteiras antes de chegar ao copo.

O núcleo da crise: concorrência desleal e o efeito no campo

Em outubro de 2025, o preço pago ao produtor brasileiro de leite atingiu níveis alarmantes — abaixo de R$ 2,00 por litro em alguns estados, como o Paraná. Isso representa um valor inferior ao custo médio de produção. O motivo? O aumento expressivo das importações de leite em pó e soro de leite em pó vindos principalmente da Argentina e do Uruguai.

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Esses países, beneficiados por câmbio favorável e menores custos internos, conseguem vender leite em pó ao Brasil a preços muito abaixo dos praticados internamente. O produto, ao entrar no país, é reconstituído (misturado com água para voltar ao estado líquido) e utilizado na fabricação de derivados. O resultado é um efeito dominó: o preço do leite cru nacional desaba, e o produtor rural perde competitividade.

A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) alertou que milhares de pequenas e médias propriedades estão “à beira do colapso”, com produtores abandonando a atividade por inviabilidade econômica.

A resposta política: o foco na reidratação

O debate ultrapassou os fóruns técnicos e chegou às Assembleias Legislativas. No Paraná, o Projeto de Lei 888/2023 foi aprovado por unanimidade em outubro de 2025. O texto proíbe a reconstituição de leite em pó, soro de leite em pó e outros compostos lácteos importados no território estadual, tanto para leite fluido quanto para derivados como iogurtes, queijos e bebidas lácteas.

Essa ampliação foi essencial: evita que as indústrias driblem a regra e garante rastreabilidade da matéria-prima.
A proposta paranaense, vista como pioneira, inspirou movimentos semelhantes em Santa Catarina e até em debates no Congresso Nacional.

Qualidade e transparência: o risco sanitário e de imagem

Além da guerra econômica, há um problema técnico: a rastreabilidade e o controle de qualidade.
Produtos reconstituídos a partir de pó importado podem apresentar diferenças significativas na composição e no histórico de conservação. O leite em pó pode ter sido produzido meses antes, sob condições regulatórias distintas.

A reidratação e mistura dificultam a identificação da origem do leite, enfraquecendo um dos pilares da segurança alimentar moderna: a rastreabilidade completa da cadeia.

Produtores defendem que os rótulos indiquem claramente quando há uso de leite reconstituído, como já ocorre em alguns países europeus. Para o consumidor, essa informação é essencial para decidir entre um produto feito com leite fresco nacional ou com pó importado.

O pano de fundo internacional

As entidades de classe cobram uma investigação de dumping — prática comercial desleal em que produtos são vendidos abaixo do custo de produção para dominar mercados.
A Câmara Setorial do Leite do MAPA e a CNA defendem que o governo adote medidas compensatórias para equilibrar o mercado e proteger a cadeia produtiva interna.

Outros países, como México e Índia, já adotaram barreiras semelhantes para defender seu setor leiteiro.
Enquanto isso, o Brasil tenta equilibrar compromissos com o Mercosul e a necessidade urgente de evitar o colapso da produção local.

Vozes do campo

Segundo levantamento da Federação da Agricultura do Estado do Paraná (FAEP), mais de 70% dos produtores entrevistados afirmaram ter reduzido a produção em 2025. Muitos relataram ter vendido vacas em lactação e cortado investimentos em genética e nutrição — um retrocesso que ameaça anos de avanço tecnológico na pecuária leiteira brasileira.

Conclusão: mais que uma crise de mercado — uma questão de soberania

A “Guerra do Pó” é, na prática, um teste de sobrevivência da pecuária leiteira brasileira.
Mais do que uma discussão sobre tarifas, trata-se de garantir que o leite nacional continue sendo um pilar da segurança alimentar, da geração de renda no campo e da imagem de qualidade dos produtos lácteos brasileiros.

O desfecho desse debate pode definir o futuro de milhares de famílias e da própria soberania produtiva do país.

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mariana.massari

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