Você já deve ter ouvido a frase: “o pó saiu perfeito do secador, mas empedrou no envase.”
Essa queixa, comum entre operadores e engenheiros de processo, revela um ponto frequentemente negligenciado: o ar da sala de envase.
O leite em pó é um produto extremamente sensível à umidade. Mesmo quando seco dentro das especificações do Codex Alimentarius (CX/STAN 207-1999) — com teor máximo de água em torno de 5% — ele continua sendo higroscópico, ou seja, tende a reabsorver água do ambiente.
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Durante o envase, qualquer desvio na umidade relativa (UR) e na temperatura do ar pode alterar de forma irreversível a fluidez, a densidade aparente e o aspecto visual do produto. Em casos mais críticos, favorece o crescimento de microrganismos osmófilos e a formação de blocos duros, gerando perdas operacionais e devoluções comerciais.
O controle ambiental da sala de envase, portanto, é um ponto a ser controlado tanto do ponto de vista de qualidade quanto de segurança dos alimentos — e deve ser tratado com a mesma importância que o ar comprimido ou o ar do secador.
Por que o leite em pó é tão sensível à umidade
A estrutura microscópica do leite em pó é composta por partículas amorfas, formadas por lactose, proteínas e lipídios desidratados. Quando expostas a ambientes úmidos, essas partículas absorvem moléculas de água, especialmente na superfície, provocando:
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Transição vítrea da lactose amorfa, que se torna pegajosa e favorece a aglomeração;
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Perda de fluidez e empedramento, intereferindo o envase automático;
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Aumento da atividade de água (aw), que reduz a estabilidade microbiológica.
Pesquisas demonstram que o leite em pó começa a perder sua estabilidade física quando a UR ambiente ultrapassa 40%, dependendo da temperatura e da composição do pó.
Essa interação é tão imediata que, em alguns casos, bastam 15 a 30 minutos de exposição para observar alterações sensoriais e formação de grumos nas linhas de envase e selagem.
O microclima da sala de envase
O ambiente de envase deve ser tratado como uma zona de alta criticidade dentro da fábrica de desidratados. Segundo o Tetra Pak Dairy Processing Handbook, o ideal é manter:
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Temperatura entre 22 °C e 25 °C;
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Umidade relativa (UR) entre 30% e 40%;
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Ponto de orvalho inferior a 10 °C;
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Pressão positiva em relação a corredores e áreas adjacentes.
Quando o ar ambiente é mais úmido ou mais frio que o pó recém-saído do ciclone, ocorre condensação invisível sobre as partículas, formando uma fina camada de água — suficiente para alterar toda a textura do produto.
Além disso, a ventilação inadequada pode gerar microzonas de umidade elevada, especialmente próximas a paredes, esteiras e pontos de descarga, onde o fluxo de ar é menor.
A Instrução Normativa MAPA nº 68/2006 já orienta que as áreas de envase de produtos desidratados devem dispor de sistema de controle ambiental, com temperatura e umidade monitoradas continuamente. Mesmo assim, muitas plantas ainda dependem de medições manuais e intermitentes.
Equipamentos e controles recomendados
O controle da umidade do ar na sala de envase deve combinar engenharia, automação e rotina operacional. Entre as melhores práticas:
🔹 Desumidificação
Sistemas que permitem manter UR estável entre 30% e 40%, mesmo em dias chuvosos. São indispensáveis em fábricas localizadas em regiões de alta umidade relativa natural.
🔹 Pressurização e cortinas de ar
Manter pressão positiva na sala de envase evita a entrada de ar úmido de outras áreas. Cortinas de ar em portas e antecâmaras ajudam a preservar o microclima interno durante o trânsito de pessoal e embalagens.
🔹 Monitoramento contínuo
Monitormaento constínuo de umidade e temperatura da sala de envase. Dica: Sensores digitais de UR e temperatura integrados ao sistema permitem gerar alarmes automáticos e históricos de dados para auditorias
🔹 Treinamento e disciplina operacional
De nada adianta a melhor engenharia se a rotina de limpeza gerar vapor ou se portas permanecerem abertas durante o envase. A cultura operacional é parte essencial do controle ambiental.
Boas práticas
- Calibre os higrômetros e registre as leituras em planilha rastreável.
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Mantenha o set point de UR sempre abaixo de 40%, com alarme a 38%.
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Evite operações úmidas próximas (lavagens, higienização de latões, limpeza de pisos).
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Verifique filtros HEPA periodicamente — filtros saturados elevam a umidade.
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Inspecione o sistema de drenagem de condensado do ar-condicionado industrial.
Essas medidas não apenas preservam a qualidade sensorial e física do leite em pó, como também reduzem perdas por reprocesso e devoluções — indicadores cada vez mais valorizados em certificações de qualidade.
Conclusão
Controlar a umidade da sala de envase é tão essencial quanto monitorar o tempo de residência no secador. Um leite em pó tecnicamente perfeito pode perder a qualidade em minutos se for exposto a um ambiente negligenciado.
A gestão ambiental precisa ser entendida como parte do processo de desidratação — não como uma etapa à parte.
No fim das contas, é o ar que você não vê que define o sucesso de um leite em pó estável, fluido e seguro.
No universo dos desidratados, cada detalhe conta — da temperatura do ar no secador à umidade da sala de envase.
É aqui que a ciência encontra a prática e transforma “pó” em processo com propósito.
👉 Continue acompanhando a categoria Desidratados do Derivando Leite e descubra como pequenas variações físicas, ambientais e operacionais definem a qualidade, a estabilidade e o futuro dos lácteos em pó.