Quando o assunto é leite, poucas discussões geram tanta polêmica quanto a comparação entre leite cru e leite pasteurizado. Para alguns, o leite “natural”, sem tratamento térmico, preservaria mais nutrientes e seria mais saudável. Para outros, a pasteurização é indispensável para garantir a segurança e a qualidade.
Afinal, a pasteurização tira os nutrientes do leite? Ou essa é apenas uma meia-verdade que ganhou força com o tempo?
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O que é pasteurização?
A pasteurização é um processo térmico desenvolvido no século XIX por Louis Pasteur, inicialmente aplicado ao vinho e à cerveja. Em 1863, ele comprovou que aquecer os alimentos em determinada temperatura eliminava microrganismos responsáveis pela deterioração e por doenças. Poucos anos depois, o método foi aplicado ao leite.
Hoje, o objetivo principal da pasteurização é eliminar bactérias patogênicas, como Escherichia coli, Listeria monocytogenes e Salmonella spp., além de reduzir a carga microbiana total, aumentando a vida de prateleira do produto.
Segurança: o papel central do processo
Consumir leite cru pode expor o consumidor a uma série de riscos. Dados da FDA e da EFSA mostram que entre 2% e 6% dos surtos alimentares em países desenvolvidos estão associados ao leite cru. Patógenos como E. coli O157:H7, Campylobacter jejuni e Listeria monocytogenes foram identificados em diversos casos de surtos, hospitalizações e até mortes.
Portanto, do ponto de vista da segurança, não há dúvidas: o leite cru é arriscado e a pasteurização é essencial.
E os nutrientes, mudam com o calor?
Aqui está a grande questão: o calor altera a composição do leite?
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Proteínas: sofrem desnaturação parcial. O excesso de calor (como no UHT) pode levar à reação de Maillard, reduzindo aminoácidos essenciais como lisina.
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Vitaminas: perdas pequenas, sobretudo nas vitaminas B2 e C, que são sensíveis ao calor. No entanto, minerais como cálcio e fósforo permanecem praticamente intactos.
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Gorduras: a composição de ácidos graxos pouco se altera; em alguns casos forma-se o ácido linoleico conjugado (CLA), com efeito benéfico.
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Enzimas e bioativos: algumas enzimas antimicrobianas são inativadas, mas isso não compromete o valor nutricional.
Ou seja: o impacto existe, mas é pequeno e não compromete a qualidade nutricional do leite.
Sabor e propriedades sensoriais
A pasteurização de baixa temperatura (HTST – 72 °C/15 s) praticamente não altera o sabor. Já o tratamento UHT (130–145 °C/5–20 s), usado para leite longa vida, pode gerar sabores “cozidos” devido à formação de compostos sulfurados e reação de Maillard.
Isso explica por que em países como a China o leite UHT é bem aceito, enquanto na Austrália e no Brasil o consumidor prefere o pasteurizado fresco.
Alternativas não térmicas: o futuro?
A indústria vem estudando alternativas para equilibrar segurança e preservação nutricional:
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HPP (alta pressão hidrostática): mantém até 90% das vitaminas B2 e C.
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Ultrassom e PEF (campos elétricos pulsados): conseguem reduzir microrganismos com menor impacto sensorial.
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Microfiltração: remove bactérias fisicamente, preservando proteínas e vitaminas.
Essas tecnologias são promissoras, mas ainda têm custo elevado e aplicação limitada.
Conclusão
A pasteurização não tira os nutrientes do leite de forma significativa. Pelo contrário: preserva a segurança e garante que o produto seja adequado ao consumo.
Embora algumas vitaminas sejam reduzidas, o leite pasteurizado continua sendo fonte de proteínas de alto valor biológico, cálcio, fósforo e vitaminas essenciais.
Portanto, não há razão para acreditar que o leite cru seja “mais saudável”. Há, sim, mais risco.