Nesta semana li o artigo “How an Indian farmers’ dairy co-op outpaced global giants” e optei por fazer uma síntese aqui, pois casos de sucesso merecem ser compartilhados.
Quando se fala em potência mundial do leite, é comum pensar em União Europeia ou Estados Unidos. Mas a Índia ocupa o primeiro lugar, respondendo sozinha por 25% da produção global. Por trás desse feito está a Amul, a maior cooperativa de laticínios do país, formada por mais de 18 mil vilarejos e 3,6 milhões de agricultores. Criada em 1946 para libertar produtores do domínio de monopólios privados, a Amul se transformou em um sistema sólido, que abastece a população indiana, resiste à entrada de multinacionais e ainda se expande globalmente.
🔒 Este conteúdo continua abaixo.
O modelo traz lições valiosas para o Brasil, país que também tem tradição cooperativista no leite, mas enfrenta desafios de consolidação, escala e competitividade internacional.
A revolução cooperativa indiana
A história da Amul nasceu em Anand, estado de Gujarat, como reação à exploração de intermediários que ditavam preços e condições. Inspirados por líderes como Sardar Patel e Verghese Kurien, os produtores criaram um sistema baseado em gestão profissional, integração e propriedade coletiva.
Hoje, a Amul coleta cerca de 35 milhões de litros de leite por dia, comprando toda a produção de seus membros, faça sol ou chuva. Isso garante previsibilidade e segurança aos agricultores — algo que concorrentes privados não conseguem oferecer. Além da compra garantida, a cooperativa fornece ração subsidiada, serviços veterinários e suporte técnico, fortalecendo a base produtiva.
O resultado é impressionante: no ano fiscal de 2023-24, a Amul registrou faturamento de US$ 7,3 bilhões, consolidando 75% do mercado indiano de leite, 85% do mercado de manteiga e 45% do de sorvete.
Como a Amul enfrenta gigantes globais
A força da Amul vai além da escala. Sua rede capilarizada de coleta de leite permite que até pequenos produtores tenham acesso ao mercado. Essa estrutura cria barreiras de entrada para empresas multinacionais, que até tentaram competir na Índia, mas não conseguiram superar a eficiência do modelo cooperativo.
Outro fator é o ambiente político e econômico: a Índia mantém altas tarifas de importação de laticínios, entre 30% e 60%, protegendo seus agricultores. Essa política reflete o peso social da atividade: estima-se que mais de 80 milhões de famílias dependam do leite como fonte de renda.
O paralelo com o Brasil
O Brasil também tem uma tradição cooperativista relevante. Cooperativas como Aurora, Castrolanda, Frísia e CCGL são exemplos de organização coletiva que transformaram regiões e criaram cadeias integradas. Em muitos casos, a lógica é semelhante à da Amul: unir produtores para aumentar poder de negociação, padronizar qualidade e garantir escala de processamento.
No entanto, existem diferenças marcantes. Enquanto a Amul atua em um mercado altamente protegido, o Brasil está inserido em um sistema global competitivo, com pouca proteção tarifária e forte pressão de preços internos. Além disso, a fragmentação da cadeia brasileira — marcada por milhares de produtores independentes — ainda dificulta ganhos de escala semelhantes aos da Índia.
Outro ponto é a retenção de jovens no campo. Assim como a Índia, o Brasil enfrenta o desafio de manter sucessores nas propriedades leiteiras. Programas de incentivo, inovação e digitalização do campo podem ser determinantes para que as cooperativas brasileiras sigam competitivas.
Lições da Amul para o Brasil
A trajetória indiana mostra que o cooperativismo vai muito além da compra e venda de leite. Trata-se de um modelo de desenvolvimento regional, capaz de garantir estabilidade econômica, inclusão social e competitividade industrial. Entre as lições que podem inspirar o Brasil, destacam-se:
-
Compra garantida: eliminar a insegurança do produtor sobre a destinação de sua produção.
-
Serviços integrados: oferecer suporte técnico, ração, saúde animal e crédito.
-
Rede capilarizada: reduzir distâncias e dar acesso a pequenos agricultores.
-
Identidade forte: consolidar a marca cooperativa como sinônimo de confiança e qualidade.
-
Atenção à sucessão: criar políticas para atrair jovens à atividade leiteira.
Conclusão
O caso da Amul mostra que cooperativas podem ser muito mais do que estruturas de compra e venda. Quando bem organizadas, elas se transformam em poderosos agentes de transformação econômica e social, capazes de competir de igual para igual com multinacionais.
No Brasil, o cooperativismo já demonstrou sua força em diferentes estados. O desafio está em ampliar esse alcance, fortalecer a integração da cadeia e criar condições para que os produtores não apenas sobrevivam, mas prosperem em um mercado cada vez mais globalizado.
Acompanhe o conteúdo do Derivando Leite