A lactoferrina (LF) é uma das proteínas mais estudadas do leite devido à sua ampla gama de atividades biológicas. Presente em secreções naturais como leite, saliva e lágrimas, destaca-se por sua ação antimicrobiana, antiviral, antioxidante e imunomoduladora.
Embora o leite contenha pequenas quantidades de LF, a sua extração e purificação em escala industrial vêm crescendo, impulsionadas pelo aumento da demanda por alimentos funcionais e suplementos que fortalecem a imunidade.
O mercado global de lactoferrina bovina foi estimado em USD 659 milhões em 2023, e deve alcançar USD 969 milhões até 2032, com crescimento médio anual de 4,7%. A aplicação mais comum é em fórmulas infantis (48% do mercado), seguida de suplementos alimentares (40%).
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A proteína multifuncional do leite
A lactoferrina pertence à família das transferrinas — proteínas que se ligam ao ferro. No organismo, ela ajuda a regular o metabolismo desse mineral e a inibir o crescimento de microrganismos dependentes de ferro.
Em termos quantitativos, o colostro contém até 8 mg/mL, enquanto o leite bovino apresenta de 1,4 a 4 mg/mL.
Suas propriedades incluem:
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Antimicrobiana: bloqueia a captação de ferro por bactérias e rompe membranas celulares.
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Antiviral: impede que vírus como influenza, herpes e coronavírus se liguem às células humanas.
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Antioxidante: neutraliza íons metálicos reativos (Fe²⁺, Cu²⁺), reduzindo o estresse oxidativo.
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Imunomoduladora: estimula linfócitos T e modula a liberação de citocinas inflamatórias.
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Anticâncer: induz apoptose em células tumorais e reforça o sistema imune.
O interesse científico aumentou após a pandemia de COVID-19, quando a LF passou a ser estudada como coadjuvante na prevenção de infecções respiratórias.
Produção e purificação
A obtenção de LF pode ocorrer a partir de leite desnatado ou soro doce/ácido, sendo a última a fonte mais usada. Por representar apenas 1% das proteínas totais do soro, o desafio é a concentração e separação seletiva.
Etapas típicas:
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Filtração e clarificação (remoção de gorduras e impurezas).
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Cromatografia de troca catiônica, que explora o ponto isoelétrico elevado da LF (pI ≈ 9,4).
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Ultrafiltração e diafiltração para concentração e dessalinização.
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Secagem por spray dryer ou liofilização.
A secagem por atomização é mais econômica, mas pode causar perda parcial da capacidade de ligação ao ferro. Estudos indicam que a LF spray-dry mantém boa atividade bacteriostática (0,01 mg/mL), mas menor atividade antioxidante comparada à liofilizada.
Técnicas emergentes incluem membranas iônicas, nanopartículas magnéticas e sistemas bifásicos aquosos (PEG/citrato), que aumentam a pureza acima de 90% e reduzem custos industriais. Há também produção biotecnológica por Pichia pastoris, fungos e vacas transgênicas, permitindo maior oferta e controle de qualidade.
Aplicações na indústria láctea e na saúde
Na alimentação, a lactoferrina é usada em:
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Fórmulas infantis, simulando o perfil imunológico do leite materno;
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Suplementos nutricionais com ação antimicrobiana e moduladora da imunidade;
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Derivados lácteos funcionais (iogurtes, queijos e bebidas enriquecidas).
Em iogurtes, a adição de até 80 mg/100 g não altera textura nem sabor, preservando sua bioatividade por até 90 dias de estocagem. Queijos tipo cheddar fortificados com LF mostram maior potencial antioxidante e estabilidade sem prejuízo sensorial.
Do ponto de vista médico, estudos comparativos com sulfato ferroso indicam que o consumo oral de lactoferrina:
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aumenta níveis de hemoglobina e ferritina,
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reduz efeitos gastrointestinais adversos,
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e melhora a absorção de ferro durante gestação e lactação.
Essa ação se deve à capacidade da proteína de quelar o ferro livre, evitando sua oxidação e disponibilizando-o gradualmente no intestino.
Além disso, há evidências de que a LF:
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reduz infecções respiratórias em crianças e adultos;
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atua na regeneração de tecidos e na cicatrização;
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e mostra potencial na terapia adjuvante contra Helicobacter pylori e certos tipos de câncer.
O desafio para o futuro é garantir estabilidade estrutural da proteína nos processos térmicos e durante a digestão. Por isso, ganham espaço sistemas de liberação controlada — hidrogéis, lipossomas e micropartículas — que protegem a LF até o intestino delgado.
Conclusão
A lactoferrina representa um elo entre ciência dos alimentos e biotecnologia aplicada à saúde. Seu uso crescente reforça a tendência de que os laticínios do futuro serão também nutracêuticos, combinando valor nutricional e função terapêutica.
Com novas técnicas de separação e síntese recombinante, o ingrediente tende a se tornar mais acessível, abrindo caminho para produtos lácteos enriquecidos que unam proteção imunológica, antioxidante e antimicrobiana.
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