Programas de autocontrole (PAC): Da Legislação à Prática na Indústria de Laticínios

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Que o autocontrole virou lei, todos já sabem. O que muitos ainda não entenderam completamente é que não basta ter programas de autocontrole (PACs) para “cumprir tabela”. A ineficiência dos PACs, quando se tornam apenas formulários amontoados na mesa da Garantia da Qualidade, resultam em VOECs quilométricas, medidas cautelares e sanções administrativas cada vez mais frequentes.

Este artigo discute como transformar os PACs em ferramentas vivas, eficazes e integradas ao processo produtivo, alinhando-se ao que determinam o Decreto nº 9.013/2017 (RIISPOA) e a Lei nº 14.515/2022, que consolidou a obrigação legal do autocontrole pelos estabelecimentos agroindustriais.

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1. O que a legislação determina?

O Decreto n° 9.013/2017 – Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (RIISPOA) estabeleceu que todos os estabelecimentos sob SIF devem implementar, monitorar e verificar os Programas de Autocontrole, de forma a assegurar:

  • Inocuidade dos produtos (garantia de que não apresentem riscos à saúde).
  • Identidade (fidelidade às características declaradas).
  • Qualidade e integridade (atendimento aos padrões legais e contratuais).

Para isso, os PACs devem incluir, mas não se limitar a Programas de Pré-Requisitos (BPF, procedimentos de higiene, etc), APPCC e quaisquer programas equivalentes reconhecidos pelo MAPA.

A Lei nº 14.515/2022 – Lei do Autocontrole, consolidou uma fase de corresponsabilidade entre setor público e privado, prevendo que o “autocontrole é a capacidade do agente privado de implantar, executar, monitorar, verificar e corrigir procedimentos, processos de produção e de distribuição de insumos agropecuários, alimentos e produtos de origem animal ou vegetal, com vistas a garantir sua inocuidade, identidade, qualidade e segurança.”

Essa norma ampliou o conceito de autocontrole como um dever permanente e sistêmico, e não uma mera formalidade documental.

Para muitos estabelecimentos, o principal problema não está em desconhecer a legislação, mas em como interpretar e operacionalizar os requisitos.

Quando tratamos de implementar os Programas destacamos algumas confusões mais recorrentes:

  • Produção restrita ao “departamento da qualidade”: Quem nunca ouviu que o PAC é “coisa da qualidade”? Pois bem, frequentemente, o PAC nasce apenas na mesa da qualidade, sem a participação efetiva de áreas de interesse como produção, manutenção, almoxarifado, qualidade de campo e segurança do trabalho. O resultado são procedimentos descolados da realidade que levam a falta de compromisso operacional, dificuldade de implementação e em algumas vezes gastos excessivos em controles que não agregam valor real.
  • Procedimentos que não refletem a prática: Outro equívoco é criar procedimentos operacionais padrão, regulamentos e monitoramentos que correspondem parcialmente ao processo real e não levam em consideração as limitações e fragilidades da linha de processo. Na prática, isso leva ao descumprimento sistemático e perda de credibilidade do PAC.
  • Revisão insuficiente ou apenas formal: Muitos estabelecimentos revisam os PACs apenas uma vez por ano, quase sempre de forma superficial. Um documento de autocontrole não pode ser sedentário. Ele deve acompanhar as mudanças do processo produtivo, das matérias-primas e do mercado.

2. Proposta de revisão para que seu Programa de Autocontrole não seja mais uma “Coisa da Qualidade”

A Lei  nº 14.515, de 29 de dezembro de 2022, institui a análise de risco como uma necessidade. Segundo a Lei, “análise de risco é um processo adotado para identificar, avaliar, administrar e controlar potenciais eventos ou situações de risco advindos de fontes internas ou externas e para buscar segurança razoável na consecução dos objetivos da defesa agropecuária”, e para atender a esta nova necessidade seguem algumas sugestões:

1 – Elabore uma metodologia de análise de risco, incluindo a identificação de potenciais eventos ou situações que impactam negativamente a operação, para tanto podemos lançar mão de ferramentas como o FEMEA (Análise de Modos de Falha e Efeitos) que alia a uma matriz de avaliação de probabilidade e gravidade/ efeito do dano para classificar a prioridade do risco. Para riscos críticos, determine claramente:

  • Monitoramentos
  • Medidas preventivas
  • Procedimentos de correção.

2 – Envolva as demais áreas: De posse de uma metodologia de análise de risco, estabeleça reuniões de análise crítica com as áreas de interesse (produção, manutenção, campo, etc). Estas reuniões serão a base para identificar e classificar eventos de risco, além de elencar possíveis monitoramentos e ações de correção com base na realidade do processo, além do mais serão essenciais para a definição das responsabilidades de cada área frente aos programas de autocontrole. Procure entender a realidade e adequar os programas ao que já existe, nada de soluções da NASA… Isso ajuda a alinhar a teoria do documento à prática operacional.

3 – Use os indicadores a seu favor: Os PACs precisam ser sustentados por indicadores de desempenho, estes demonstram se o programa é realmente eficaz e claro, se a companhia não está perdendo dinheiro. Aproveite dos indicadores já existentes, como por exemplo:

  • PAC de Higienização: consumo de produtos químicos e devoluções de mercado por contaminação microbiológico,
  • PAC de Rastreabilidade: eficiência do rastreamento em simulações usando como base o cálculo de rendimento,
  • PAC de Formulação: taxa de “qualidade na primeira vez” para geração de reprocessos e consumo destes em formulações,

4 – Mantenha o PAC e tudo relacionado a ele, atualizado: Para garantir que o programa seja um instrumento efetivo e não apenas burocrático, recomenda-se realizar uma revisão sempre quando identificar:

  • Novos riscos
  • Mudanças em equipamentos, insumos e fluxos
  • Histórico de não conformidades
  • Reclamações de clientes
  • Resultados de auditorias internas e externas

Proponha melhorias sempre que forem detectadas não conformidades. Cada desvio deve ser analisado para entender sua causa-raiz, para tanto podemos lançar mão de ferramentas como Diagrama de Ishikawa ou 5 porquês.

A revisão deve ocorrer sempre que houver alteração relevante, e não apenas por calendário.

Além de atualizar o programa não podemos esquecer de atualizar também:

  • Equipe: Realize treinamentos periódicos sobre o conteúdo, objetivos do programa e a atualização frente a revisão anterior. Estes treinamentos não precisam ser aqueles longos, feito em sala com projetor, uma conversa bem-feita antes do início do turno já pode ser suficiente.
  • Registros e formulários: Mantenha registros atualizados, mas foque na qualidade dos dados, não apenas na quantidade. Verifique se os operadores que irão fazer uso do documento reconhecem a importância das informações fornecidas pelo mesmo.

Conclusão: autocontrole como diferencial competitivo

Programas de autocontrole não são documentos sedentários, precisam de movimento e principalmente envolvimento de todas as áreas, assim se tornam eficazes para:

  • Minimizar riscos sanitários e cumprir a legislação;
  • Reduzir as não conformidades em fiscalizações e auditorias de clientes;
  • Proteger o consumidor;
  • Reduzir os custos com operação.
Foto de josiele.piazza

josiele.piazza

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