Quem trabalha com leite em pó, WPC ou permeato sabe: a aparência engana. O produto sai do spray dryer solto e brilhante — mas, semanas depois, vira um bloco na big bag ou no silo. Esse fenômeno, o empedramento, é uma das dores mais caras da indústria láctea.
A boa notícia é que a reologia de pós oferece hoje instrumentos poderosos para prever e evitar esse problema.
E novas pesquisas (como a de Owasit et al., 2025, Pharm. Res.) mostram que entender a fluidez e coesão das partículas é tão importante quanto medir umidade ou granulometria.
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O que está por trás do empedramento?
O empedramento é resultado da perda de fluidez do pó. E a fluidez é, essencialmente, uma propriedade reológica — determinada por forças de coesão, atrito e densificação entre partículas.
Os principais fatores que favorecem o empedramento em leite em pó e derivados são:

Em outras palavras: empedrar é perder mobilidade interparticular. E a reologia é a linguagem que traduz essa perda em números.
O que a reologia tem a ver com isso?
A reologia de pós analisa como um material flui ou resiste à deformação sob diferentes condições de tensão. No caso de produtos lácteos desidratados, o parâmetro mais usado é o Flow Function Coefficient (FFC) — obtido, por exemplo, em um reômetro de pós FT4.
O que é o FFC?
É a razão entre:
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a tensão de consolidação (σ₁) e
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a tensão de ruptura sem confinamento (σc).
Quanto maior o FFC, melhor o fluxo.

No estudo de Owasit et al. (2025), essas faixas foram usadas para classificar regimes de fluxo de misturas — e algoritmos como Random Forest previram até 87% das classes corretas a partir das propriedades das partículas.
Para o leite em pó, isso significa: é possível prever o risco de empedramento conhecendo a morfologia, densidade e energia superficial de cada fração da sua formulação.
O olhar reológico aplicado ao leite em pó
Na prática, há quatro frentes principais onde a reologia pode antecipar problemas:
1️⃣ Secagem e granulometria
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Partículas menores e com alta rugosidade superficial → maior coesão.
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Secagem muito rápida ou ar quente demais gera casca vítrea, que colapsa e prende umidade.
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Solução: balancear temperatura de entrada e saída para minimizar material amorfo e garantir cristalização controlada da lactose.
2️⃣ Aglomeração
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Aumenta o tamanho médio (d50), reduz a densidade de empacotamento e melhora o FFC.
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Porém, aglomeração mal controlada gera partículas frágeis → se quebram no transporte e voltam ao estado coesivo.
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Solução: monitorar energia de cisalhamento e umidade de ligação (binder moisture).
3️⃣ Revestimento ou “dry coating”
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Assim como no estudo farmacêutico, revestir partículas com finos inertes (ex.: lecitina, sílica, amido modificado) cria microespaços e reduz forças de Van der Waals.
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Em leite em pó, técnicas de “lecitinação” e “spray aglomeração com aditivos” têm o mesmo efeito físico.
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Resultado: aumento da fluidez e da capacidade de redispersão.
4️⃣ Armazenamento e manuseio
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Compressão e umidade são os maiores inimigos.
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Medir o FFC após ciclos de compactação e variação de UR ajuda a definir o limite de estabilidade do produto.
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Com dados históricos, é possível criar um modelo preditivo simples (regressão ou ML leve) correlacionando FFC, UR e tempo de estocagem.
Lições da modelagem: quando o dado ajuda o fluxo
O estudo de Owasit et al. mostra um ponto valioso: não é preciso medir tudo o tempo todo. Algumas variáveis-chave — tamanho de partícula, densidade, energia superficial e forma — já explicam a maior parte do comportamento de fluxo.
Aplicado ao leite em pó, isso significa:
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Foque em indicadores fáceis de obter on-line (umidade, d50, densidade aparente);
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Use a reologia como ferramenta de calibração: um FFC baixo é sinal de que algo mudou na superfície ou estrutura do pó;
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E lembre-se: a fluidez não é um número fixo, mas um reflexo da interação entre partícula e ambiente.
Conclusão
Evitar empedramento não é só controlar a umidade — é entender o comportamento mecânico do pó.
A reologia de pós, aliada a modelos preditivos, permite:
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Diagnosticar a tempo quando um produto está prestes a perder fluidez;
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Ajustar parâmetros de secagem e aglomeração para manter o FFC acima do limite crítico;
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E planejar armazenagem e transporte com base em dados objetivos, não em “sensação” de operador.
Na era da digitalização do leite, prever o empedramento é tão importante quanto medir proteína.
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