Você já repetiu uma análise de sólidos e obteve resultados diferentes usando a mesma amostra? Esse tipo de variação é mais comum do que se imagina — e, na maioria das vezes, não é culpa da amostra, nem do equipamento. O verdadeiro ponto crítico está na metodologia: na forma como o ensaio foi conduzido, registrado e validado.
Validar uma metodologia significa demonstrar, por meio de dados, que o método escolhido é adequado para o propósito desejado. No contexto do leite e de seus derivados, isso é essencial: a análise de sólidos totais serve de base para pagamento, controle de processo, formulação e até decisões regulatórias. Pequenas diferenças numéricas podem gerar grandes impactos econômicos e de credibilidade.
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Por isso, garantir que o método seja confiável é mais do que uma boa prática: é um requisito técnico e normativo.
O que significa validar uma metodologia
De acordo com o INMETRO (DOQ-CGCRE-008), validar é comprovar que um método é “adequado ao uso a que se destina”. Isso significa avaliar seu desempenho em termos de precisão, exatidão, linearidade, limites de detecção e quantificação, seletividade e robustez.
Na prática, é o processo que dá ao analista segurança de que o resultado não é fruto do acaso.
É também um pilar da ABNT NBR ISO/IEC 17025:2017, norma que rege a competência de laboratórios de ensaio e calibração. Sem validação, não há rastreabilidade — e sem rastreabilidade, não há confiança.
Vale lembrar que validar não é o mesmo que calibrar.
A calibração ajusta instrumentos para fornecer medições corretas; a validação avalia o conjunto do método — da coleta ao cálculo final — sob condições reais de uso.
Escolhendo o método de referência
Antes de validar, é preciso definir qual método será validado.
Para sólidos totais, a referência oficial é a gravimetria, para cada produto lácteo há recomendações descritas no Manual de Métodos do MAPA. Nesse método, o produto é desidratado em estufa a 102 ± 2 °C até peso constante, em cápsulas de alumínio previamente taradas.
É considerado o “padrão” pela sua precisão, embora demande mais tempo e cuidado.
Outros métodos, como infravermelho (IR), ultrassônico ou refratometria, podem ser utilizados após validação comparativa, desde que demonstrem correlação estatisticamente aceitável com o método de referência.
⚙️ Dica: Para laboratórios industriais que utilizam analisadores rápidos (IR ), é essencial realizar uma validação paralela, comparando amostras idênticas com o método gravimétrico, pelo menos trimestralmente.
Controle de variáveis críticas
Mesmo o melhor método perde confiabilidade se as variáveis críticas não forem controladas.
Em análises gravimétricas, alguns detalhes fazem toda a diferença:
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Tempo e temperatura de secagem: variações de ±3 °C já alteram resultados significativamente.
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Peso constante: considerar estabilizado apenas quando a diferença entre pesagens consecutivas for ≤ 0,0005 g.
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Tipo de cápsula: alumínio ou aço inox; devem ser secas e taradas sob as mesmas condições da amostra.
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Balança analítica: sensibilidade mínima de 0,1 mg e calibrada periodicamente.
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Umidade e ventilação da sala: interferem na higroscopicidade da amostra seca.
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Homogeneização da amostra: especialmente importante no leite cru e no soro, evitando sedimentação.
Esses cuidados reduzem o erro aleatório e aumentam a repetibilidade.
🔬 Repetibilidade aceitável: desvio padrão ≤ 0,02 g/100 g ou RSD ≤ 0,2%.
Use sempre um controle interno de referência em cada rodada analítica.
Calculando precisão e repetibilidade
Para validar a precisão de um método, é necessário executar diversas repetições sob as mesmas condições (mesmo operador, mesmo equipamento, curto intervalo de tempo).
A repetibilidade indica o quanto os resultados se mantêm próximos entre si.
Veja o exemplo:
Valores de RSD inferiores a 0,2 % indicam excelente repetibilidade.
Já a reprodutibilidade avalia o desempenho entre operadores, dias ou equipamentos diferentes — útil em auditorias e comparações interlaboratoriais.
Vamos calcular juntos:
Vamos utilizar o excel:
- Média: =MÉDIA(B2:B6) – Resultado: 12,73
- Desvio padrão: =DESVPAD.P(B2:B6) – Resultado: 0,015
- Calcular o desvio padrão relativo (RSD%): =(DESVPAD.N(B2:B6)/MÉDIA(B2:B6))*100 – Resultado: 0,12%
- Média (12,73 %) – representa o valor central obtido a partir do conjunto de resultados analisados, servindo como referência para avaliar a consistência dos ensaios.
- Desvio padrão (SD = 0,015) – indica o quanto os resultados individuais se dispersam em torno da média. Quanto menor esse valor, maior a estabilidade do método analítico e menor a influência de erros aleatórios.
- Desvio padrão relativo (RSD = 0,12 %) – expressa a variação em termos percentuais em relação à média, permitindo comparar a precisão entre diferentes métodos ou matrizes. Um RSD abaixo de 0,2 % é considerado excelente em análises de sólidos, demonstrando alta repetibilidade e confiabilidade do método.
📏 Exatidão: é medida pela diferença entre o resultado médio e o valor de referência conhecido.
Quanto menor a diferença, mais “verdadeiro” é o método.
Validando na prática
A validação pode parecer complexa, mas segue uma lógica simples.
Veja o passo a passo recomendado:
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Definir o método (por exemplo, gravimétrico).
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Selecionar amostra de referência com valor conhecido
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Executar repetições sob as mesmas condições.
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Calcular média, desvio padrão, RSD e incerteza expandida.
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Comparar os resultados com os valores de referência.
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Registrar tudo em planilha rastreável (data, operador, lote da amostra, equipamentos utilizados).
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Emitir relatório de validação, indicando critérios aceitos e eventuais limitações.
O método pode ser considerado validado se atender aos critérios definidos internamente (por exemplo, RSD ≤ 0,2 % e erro relativo ≤ 1 %).
Caso contrário, ajustes devem ser realizados (tempo de secagem, preparo de amostra, etc.) antes da nova rodada.
Interpretação e rastreabilidade
Validar é só o primeiro passo. A confiabilidade depende da manutenção da rastreabilidade dos resultados.
Isso inclui:
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Registro de calibração e manutenção dos equipamentos;
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Controle de planilhas originais (data, assinatura, código da amostra);
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Preservação digital de dados brutos (não apenas médias);
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Uso de controles internos e amostras de verificação diária.
A rastreabilidade assegura que, se houver questionamento, seja possível reconstruir todo o histórico da análise — da coleta ao resultado final.
Em auditorias ISO 17025, isso é um dos itens mais avaliados.
💡 Uma boa prática é utilizar planilhas com fórmulas protegidas e macros que impeçam alteração acidental de dados.
Quando revisar sua validação
A validação não é eterna.
Ela deve ser revisada quando houver:
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Substituição de equipamentos (ex.: nova balança ou estufa);
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Alteração de reagentes, vidrarias ou cápsulas;
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Mudança de operador ou local de ensaio;
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Atualização de legislações oficiais (ex.: novas Instruções Normativas).
Manter o método atualizado é uma forma de proteger a credibilidade da equipe e evitar divergências em inspeções oficiais.
Conclusão
A confiança em resultados laboratoriais nasce da consistência.
Validar uma metodologia é, essencialmente, provar com dados que o método cumpre o que promete — de forma repetível, rastreável e transparente.
No contexto lácteo, onde cada décimo percentual de sólidos pode representar ganhos ou perdas econômicas, a validação é o elo entre ciência e responsabilidade técnica.
Mais do que uma exigência normativa, é um compromisso com a qualidade do produto e com a verdade dos números.
“Um resultado confiável não é aquele que você deseja ver, e sim aquele que pode ser reproduzido por qualquer analista treinado.”
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